Artigos Técnicos

Programas de Conservação da Raça Ovina Crioula Lanada

 

RAMELLA, M. V.(1); RAMELLA, J.L.(1); CASALI, Renata(2); CANTALAPIEDRA, JJ.(3)

(1), Departamento de Produccion Animal. Centro de Ciências Agroveterinárias. Universidade do Estado de Santa Catariana/UDESC. Brasil.
(2) Centro de Ciências Agroveterinárias. Universidade do Estado de Santa Catariana/UDESC. Brasil.
 (3) Servicio de Ganadería. XUNTA DE GALICIA


Introdução

A ovinocultura é uma atividade explorada economicamente em todos os continentes, sendo exercida em distintos ecossistemas com os mais diferentes tipos de clima, solo, topografia, vegetação e práticas de manejo, o que exige critérios cuidadosos na escolha das raças, haja vista que ao longo das últimas décadas, independente da orientação produtiva - carne, leite, pele e lã- continua sendo dado bastante ênfase para a escolha da raça, sobretudo para aquelas que possam melhor adaptar-se às práticas de manejo disponíveis e que resulte  em baixos custos do produto final, razão pela qual  procura-se selecionar raças que também sejam capazes de agregar valores para atender às demandas de mercado que vêm pressionando por produtos de superior qualidade.

Não obstante, para atender essa demanda por qualidade e auferir rentabilidade, é de vital importância buscar raças que suportem as exigências naturais da exploração - climatologia, rusticidade, fácil adaptação às práticas de manejo, etc.

Nesse sentido, a opção de escolha por raças locais pode ser uma boa alternativa, por que além da rusticidade contribuem para a sua preservação, sobretudo quando as condições edafoclimáticas desfavorecem às raças importadas. Porém, para utilizar estas raças locais, é necessário dispor de reprodutores e matrizes de reposição geneticamente capazes de atenderem essa demanda, mais um forte motivo pela qual está sendo dispensado esforços no sentido de, além de preservar, melhorar quantitativa e qualitativamente rebanhos de algumas raças e, para que isso aconteça, produtores vêm contando  com a contribuição de alguns Centros de pesquisas, universidades e associações e/ou entidades organizadas, no sentido de suprir essa carência através da seleção de reprodutores e matrizes com qualidade superior e capazes de suprir essas demandas e, uma das raças, entre outras  que vem merecendo atenção é a raça Crioula Lanada Serrana.

A raça Crioula foi reconhecida como raça local a partir de 2001 e está classificada como rara e conserva traços dos ovinos primitivos que lhe deram origem e do cruzamento com outras raças importadas a partir da colonização portuguesa. De origem controversa, estudos conduzidos na Embrapa Pecuária Sul revelam parentesco desses ovinos com a raça hispânica Lacha e Churra e das inglesas, Romney Marsh e Corriedale.

No Brasil foram identificadas quatro variedades: (1) “Fronteira”, localizada na metade sul do estado do Rio Grande do Sul; (2) “Serrana” ou “Crioula Preta”, encontradas na região nordeste do estado do Rio Grande do Sul e do Planalto Catarinense; (3) “Crioula Zebua” ou “Ovelha de Presépio”, encontrada na região sul do Estado do Paraná e, (4) “Crioula Comum“ ou “Ovelha Ordinária” encontrada na região Sul do estado do Paraná até os estados do Acre, Matos Grosso, Goiás e Minas Gerais (Vaz, 1999).

Por falta de maior controle oficial dos animais da raça Crioula estima-se que exista em torno 10.000 cabeças distribuídas em todo o território brasileiro, porém vem mostrando uma progressão dos rebanhos e com demanda crescente pelo germoplasma em outros países devido a importância que representa para as comunidades indígenas ou locais onde outras raças tem poucas possibilidades de sobrevivência.

A raça Crioula tem como principais atrativos: (a) a produção de lã para artesanato e tapeçaria industrial (carpet wool); (b) carne magra, com maciez e sabor diferenciados; (c) pele de qualidade industrial superior no que tange à resistência e suavidade; (d) rusticidade, por apresentar adaptação em diferentes condições de clima, solo e vegetação; (e) resistência aos endoparasitas e problemas podais -foot rot- (Vaz, 2000). É bastante explorada intensiva e semi intensivamente, por parte de grande número de pequenos criadores (menos de 100 ha/propriedade), consorciado com lavoura, explorado predominantemente em economia familiar e, em locais nem sempre explorados por outras atividades criatórias.

Frequentemente apresenta duas épocas de parição verão (janeiro) e inverno (julho) e são  exploradas em altitude média de 500 a 1000 m; latitude sul entre 27°C e 30°C; temperatura em torno de 20°C; orientação produtiva para carne, pele e lã (Vaz, 2000).

 

Aptidão e Morfologia da raça

Aptidão


Possui aptidão mista (carne, pele e lã), sendo que a pele e a lã são naturalmente coloridas e bastante utilizadas no artesanato e com relativa aptidão leiteira (ver quadro 1). O uso da lã na tapeçaria apresenta valor industrial limitado devido à resistência da fibra que compromete a integridade funcional das cardas, porém devido a coloração possui preço agregado.  A carne é magra, com sabor e maciez diferenciados. O rendimento da carcaça fria, aos sete meses de idade (animais criados em campo natural variou de 40,69% a 42,06%. A avaliação de cordeiros estabulados obtiveram rendimentos de 40% que, quando comparados às mesmas condições com cordeiros da raça Corriedale –carne/lã, apresentaram peso 2,1% inferior.

Aspecto geral


Animal de médio porte, apresentando peso que oscila entre 41,40 e  42,60 kg para as fêmeas e 63,79 kg para os machos (Silva, 2010); tronco com ausência de revestimento adiposo, as extremidades corpóreas livres de lã e apresenta velo primitivo, formado por duas variedades de fibras: (1) Externamente longas (36 cm), grossas e secas e ligeiramente onduladas, ásperas, semelhante a pelos e (2) Internamente as fibras são curtas, macias, com muita ondulação irregular, emaranhadas nas bases das primeiras (lanilhas) e, ambas terminando em forma de pontas. O velo abre-se na região dorso-lombar caindo lateralmente como uma capa com produção média de 2kg de velo/animal e média de 68% de rendimento ao lavado.


Morfologia racial

Cabeça. Perfil reto ou semi-convexo, mais acentuado nos machos. As mucosas geralmente são pigmentadas. Macho apresenta com frequência acúmulo de gordura na nuca. As orelhas são de tamanho mediano e inseridas horizontalmente. Podem ser aspados –geralmente par-, porém, podem  apresentar mais de um par (policerismo), sendo que o par superior se apresenta ereto e o inferior curvado em direção à face. Nos machos os chifres são mais pronunciados e pigmentados com superfície rugosa ou lisa, triangular ou cilíndrico e abrindo lateralmente à face. Os pelos que revestem a face são de tons escuros. Animais desprovidos de chifres podem apresentar topete formado por mechas longas que podem cobrir os olhos e o chanfro.

Pescoço. Delgado, cilíndrico, proporcional ao corpo, cabeça elevada em relação a linha do lombo.

Tronco. Peito estreito em relação ao posterior. Linha dorso-lombar reta, com ligeira inclinação em direção às cruzes. Podendo apresentar ventre coberto de pelos.

Garupa. Curta, com pouca inclinação, geralmente angulosa.

Cauda. Delgada, permitindo a palpação das vértebras sob qualquer escore da condição corporal.

Escroto. Tamanho bem desenvolvido, com perímetro variando de 20 a 26 cm para borregos e em torno de 35 cm para carneiros.

Mamas.  Bem desenvolvidas, sendo comum ocorrer tetas supranumerárias.

Membros. Bem aprumados, delgados, porém fortes, cascos escuros. Velo se estendendo até a altura do jarrete e joelhos e, abaixo destes apresenta pelos escuros.

Velo. Apresenta mechas de pouca densidade e moderadamente suave e peso em torno de 2 kg e de coloração podendo ser preto, cinza, mesclado cinza, castanho e marron, sendo que nos cordeiros geralmente se apresenta encaracolado com tendência a desaparecer após a primeira tosquia, inclusive alterando a cor.

Fonte: Propriedade do Dr. Edson Martins e Dra. Vera V. Martins

 

Poucos trabalhos foram e/ou estão sendo feitos no sentido da preservação e melhoria da raça Crioula. Recentemente (1982) a Embrapa Pecuária Sul iniciou um trabalho de preservação e ampliação da raça através da utilização de um plantel de aproximadamente 330 ovinos da raça Crioula, sendo 180 matrizes, 100 cordeiros e 50 carneiros para atender ao apelo dos produtores que manifestavam interesse na exploração quantitativa e qualitativa desta raça.


O plantel da Embrapa é composto por 5 famílias organizadas por índice de grau de parentesco através da aferição desse grau por painel de marcadores moleculares. Os cruzamentos entre essas famílias são realizados através de monta natural previamente esquematizada, sendo que os carneiros utilizados são os produtos do próprio rebanho fechado e previamente selecionados. Os cruzamentos são planejados para reduzir a consanguinidade através da troca do carneiro a cada dois anos e para evitar o acasalamento com suas filhas. Os carneiros utilizados são os produtos de cada família, porém estes trabalham em outra família que não a deles, segundo se observa na figura 3.

Figura 3. Fluxo da utilização dos carneiros nas diferentes famílias do rebanho da raça Crioula

No esquema que representa as cinco famílias existentes atualmente na Embrapa, os carneiros selecionados da família UM são utilizados na família DOIS por 2 anos, após esse período são utilizados na família TRES por 2 anos e assim sucessivamente até a quinta família. É importante lembrar que o carneiro nunca trabalhará em sua família de origem e que as fêmeas nascidas são mantidas em suas famílias e que a cada ano são selecionados novos carneiros dentro de cada uma dessas famílias. Esse esquema de controle de monta e separação em famílias é realizado para minimizar a consanguinidade devido à falta de exemplares da raça ovina Crioula.

 

 

Seleção de carneiros


Inicialmente são descartados os animais que apresentam problemas de aprumos crônicos, lesões mal curadas, idade avançada e dentes rasos. A seleção prévia é feita com intuito de avaliar os animais que ficam no rebanho e é feita com base em um ranking realizado observando as seguintes características: Peso ao desmame (PD), Peso a um ano (PA), Perímetro escrotal (PE) e a média de OPG antes e após a dosagem com anti-helmintico. Cada característica ganha uma pontuação e estas são ranqueadas (R) e então somadas como se observa na simulação constante no Quadro 1.



O ranking geral permite organizar os animais em uma curva de Gauss onde os animais superiores (no caso os destacados em vermelho) são comercializados como reprodutores e os inferiores (em verde) são descartados. A Embrapa mantém no plantel a média da população com o intuito de manter a variabilidade, já que o rebanho é utilizado para conservação da raça.

Após a avaliação andrológica dos machos, nesse caso, seguiu a linha da proposta para exame andrológico preconizado e publicada na Revista Brasileira de Reprodução Animal em 1997, que obedecem quatro critérios para a avaliação dos animais, conforme se observa no Quadro 2.

Os animais utilizados se encaixavam no critério 3. Portanto, os animais foram avaliados clinicamente e o sêmen para avaliação foi coletado com o auxílio do eletroejaculador e devidamente avaliado. Após as avaliações foram selecionados dois carneiros reprodutores de cada família, um para a primeira semana e outro para as próximas 4 semanas.
A avaliação clínica dos carneiros visa obter informações sobre sua fertilidade potencial, que é o primeiro e o principal componente da avaliação andrológica. Este exame deve ser procedido com o animal em estação, mesmo que esta posição não facilite o exame do pênis, porém permite a fácil detecção da presença de hérnias inguinais e/ou escrotais que ocorrem com relativa frequência nos ovinos (MORAES et al., 2001).

 

Seleção das matrizes


São utilizadas como matrizes fêmeas a partir de 18 meses com um escore de 2,5 a 3,5. realizada a seleção das mesmas efetuando o descarte de animais com problema de manqueira crônica, lesões mal curadas, idade avançada e dentes rasos. O ranqueamento é realizado da mesma forma que o dos machos, porém não é utilizado como critério de descarte, sendo que estes dados são armazenados. Para o descarte são utilizados critérios de confirmação zootécnica da ARCO e histórico reprodutivo (animais que falharam ou que não conseguiram criar o cordeiro).

Sincronização de cio das matrizes

A sincronização é realizada com duas doses de prostaglandina com intervalo de 10 dias. Um fator limitante para o uso das prostaglandinas é que as ovelhas estejam ciclando e apresentem um corpo lúteo funcional, ou seja, estejam entre os dias 5 a 14 do ciclo (COGNIE, 1993), o que justifica o uso das duas doses de prostaglandina nesse intervalo.

Controle de monta e prenhes

Após a segunda dose de prostaglandina é inserido em cada família o reprodutor selecionado. Estes utilizam um colete de couro com um giz de cor amarela acoplado, com a finalidade de marcar os animais cobertos. Uma semana depois, o reprodutor é retirado e anota-se o número das fêmeas cobertas e identificadas. Após dois dias insere-se em cada família o segundo carneiro, com o colete com o giz de outra coloração. Duas semanas depois anota-se as ovelhas que estejam marcadas e o giz do colete era trocado por um giz com outra coloração. Essas marcações permitem compilar dados quanto a retorno ao cio e diagnóstico de gestação.

 

Outras particularidades da raça

Não obstante pela busca de desenvolver novos estudos que visam melhor revelar a aptidão(s) da raça Crioula Lanada Serrana estão sendo iniciados alguns trabalhos no sentido de avaliar a produção quantitativa e qualitativa do leite, que se pode observar na figura 2 (pré ordenha) e figura 3 (ordenha).

Figuras 3 e 4. Ovinos da raça Crioula em ordenha.

Cedidas pelos Proprietários e criadores, Dr. Edson Martins e Dra. Vera V. Martins.



Quanto a produção de leite da raça Crioula Lanada, com idade entre 2 e 5 anos, amamentando seus respectivos cordeiros, Ramella et al (2011) estudando a produção quantitativa e qualitativa do leite desta raça, durante 56 dias de lactação, revelou dados preliminares animadores (Quadro 3), especialmente por não se tratar de uma raça reconhecidamente com aptidão leiteira, o que pode, em parte explicar o bom desenvolvimento dos cordeiros durante o período de amamentação.


 Quadro 3. Produção quantitativa (mL) e qualitativa (%) do leite da raça Crioula Lanada Serrana, durante 56 dias de lactação.

Diante do exposto e, como conclusão, espera-se que novos estudos se somam a estes e aos até agora desenvolvidos para que se possa confirmar e acrescentar mais dados aos poucos que se encontram disponíveis, contribuindo assim para que, além da simples preservação da raça, possamos dar uma opção aos produtores de explorar comercialmente em situações em que os mesmos não dispõem da infra estrutura necessária capaz de atender às exigências das raças importadas.

 

 

 

Referências Bibliográficas

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIADORES DE OVINOS. Raça Crioula. Disponível em: <http://www.arcoovinos.com.br/racas_links/crioula.htm>. Acessado 02 maio 2012.
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  • EMBRAPA PECUÁRIA SUDESTE. Fundamentos teórico-práticos e protocolos de extração e de amplificação de dna por meio da técnica de reação em cadeia da polimerase. São Carlos, SP 2007, p7-10.
  • EMBRAPA PECUARIA SUL (2000). Morfologia e aptidão da ovelha Crioula Lanada. Ministério da Agricultura e Abastecimento. Documento 22. 20pp.
  • MORAES, J.C.F. Infertilidade em ovinos. IN: RIET-CORREA, F.; SCHILD, A. L.; LEMOS, R.A.A. Doenças de Ruminantes e Equinos, 2 ed. São Paulo: Varela Editora e Livraria Ltda, 2001, v. 2, 2001. p. 399-416.
  • MULSANT, P., LECERF, F., FABRE, S., SCHIBLER, L., MONGET, P., LANNELUC, I., PISSELET, C., RIQUET, J., MONNIAUX, D., CALLEBAUT, I., CRIBIU, E., THIMONIER, J., TEYSSIER, J., BODIN, L., COGNIE, Y., CHITOUR, N., ELSEN, J.M., 2001. Mutation in the bone morphogenetic protein receptor-1B is associated with increased ovulation rate in Booroola ewes. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 98, 5104–5109.
  • RAMELLA, J. L., RAMELLA, M. V., FREITAS, A., (2008). Produção quantitativa e qualitativa do leite ovino da Raça Crioula Lanana serrana. Jornadas de Iniciação Científica Pesquisa CAV/UDESC.
  • SOUZA, C.J.H., MACDOUGALL, C., CAMPBELL, B.K., MACNEILLY, A.S., BAIRD, D.T., 2001. The Booroola (FecB) is associated with a mutation in the bone morphogenetic protein receptor type 1b(BMPR1B) gene. J. Endocrinol. 169, R1–R6.
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  • www.revistaberro.com.br.

 


Fonte: RAMELLA, M. V.(1); RAMELLA, J.L.(1); CASALI, Renata(2); CANTALAPIEDRA, JJ.(3)
Data de publicação: 02/07/2015 11:00