Artigos Técnicos

A ADOÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE MANEJO E OS BENEFÍCOS NA PRODUÇÃO DE BEZERROS LEITEIROS – PARTE 1

 

Lívia Carolina Magalhães Silva*, Isabel Blanco Penedo**, Antonio Velarde**, Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa*.

*Grupo ETCO, Departamento de Zootecnia, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP, Jaboticabal, São Paulo, Brasil.
**IRTA, Bem-estar Animal, Monells, Espanha.

 

 

A criação de bezerros tem sido relegada a um segundo plano na maioria das fazendas leiteiras, talvez por não proporcionar retorno econômico direto visível para a maioria dos produtores. Por conta disso, o cuidado com os bezerros é geralmente negligenciado, resultando em altas taxas de morbidade e de mortalidade nos rebanhos leiteiros, que causam importantes perdas econômicas para os produtores (Fell et al., 1998, Sandreson et al., 2000). As perdas de receita com a morte de bezerros podem ser muito altas, alcançando 14,9%, segundo Frois et al. (1994), além de custos adicionais com tratamentos veterinários, das bezerras que adoecem.

Em sistemas de crias de bovinos leiteiros, por exemplo, existem vários tipos de criação, sendo que na maioria deles os bezerros são separados de suas mães nos primeiros dias de vida, e toda a responsabilidade da criação passa a ser dos tratadores. Quando o tratador conhece os animais sob seus cuidados, fica mais fácil suprir suas necessidades. Trabalhos anteriores mostraram que bezerros instalados individualmente e que recebem contatos positivos adicionais (ex. os tratadores permitem que bezerros suguem seus dedos) menos agitados durante o transporte, comparados aos bezerros com o contato humano mínimo (Lensink et. al., 2000).
Isso nos permite sugerir que há maneiras de melhorar o bem-estar dos bezerros com o uso das boas práticas de manejo, aplicada neste caso pela interação positiva tratador-bezerro. Neste sentido, o fornecimento de contatos positivos no início e regularmente durante toda a vida do animal podem evitar problemas de manejo, pois de acordo com Gyorkos et. al. (1999) uma proporção considerável de novilhas e vacas alojadas em grupo apresentavam dificuldades para o manejo, provavelmente por não terem sido manejadas positivamente quando bezerras.

Com esta perspectiva, o Grupo ETCO da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, Brasil, vem desenvolvendo estudos sobre os efeitos da adoção das boas práticas de manejo no bem-estar de bezerros leiteiros em fazendas comerciais. Em um estudo conduzido em uma fazenda comercial produtora de leite (Magalhães Silva et al., 2007), encontrou-se que a partir de utilização de boas práticas de manejo (melhoria nas instalações, no aleitamento e na interação humano-animal), dentre elas a implementação de interação positiva humano-bezerro (ausêcia do bater e gritar com os animais e escovacao diária dos bezerros durante o aleitamento) foi encontrado redução significativa na morte de bezerros, passando de uma média de 6 mortes/mês para apenas 2 mortes/mês, assim como a freqüência de uso de antibióticos, que também diminuiu em 50%. Esta redução no uso de antibióticos é bem sugestiva da melhoria das condições de vida dos bezerros, sendo evidente estarem mais ativos e vigorosos após a implantação das boas práticas de manejo, com reflexos positivos nos índices de produtividade e nos indicadores de bem-estar animal.
Com base nesta experiência vivida pelo Grupo ETCO/Brasil e em demais estudos com bezerros leiteiros (Magalhães Silva e al., 2012; Da Silva et al., 2012; Magalhães Silva et al., 2013; Guimarães, et al., 2013), percebemos que os cuidados dispensados ao bezerro, logo após o seu nascimento e posteriormente durante todo seu período de aleitamento são muito importantes, pois este período pode ser o fator decisivo quanto a saúde e desenvolvimento dos bezerros.
Uma forma de se aplicar o conceito de bem-estar em sistemas de produção é a partir da adoção de “Boas Práticas de Manejo”, que tem como base melhorar as condições de vida dos animais, com reflexos positivos na saúde (diminuição de doenças e mortalidade), nas respostas comportamentais desejáveis (obtenção de animais mais dóceis) e no bom desempenho. Esta adoção é de extrema importância, principalmente para sistemas ecológicos, onde ter animais menos doentes implica em menor frequência de tratamentos, o que seria desejável já que a restrição no uso de medicamentos veterinários faz parte da filosofia deste sistema.
Assim, neste artigo iremos abordar como o uso destas boas práticas de manejo durante as primeiras 24 horas de vida do bezerro podem melhorar os índices produtivos da fazenda.

 

A importância dos cuidados nas primeiras 24 horas de vida de bezerros leiteiros
O cuidado com os bezerros começa desde o período pré-parto, caracterizado pelos últimos 21 dias de gestação da vaca. Geralmente neste período, vacas e novilhas são separadas do rebanho, formando o lote de animais no pré-parto.
É importante que estes animais sejam mantidos em locais limpos, para os sistemas abertos (criação a pasto) o ideal é que haja disponibilidade de sombra e que o piso tenha cobertura vegetal; já para sistemas fechados o ideal é que o piso seja coberto com palhas ou forragem seco. Estes passos irão proporcionar maior conforto para a vaca durante o parto e proporcionar ao bezerro condições favoráveis para o seu nascimento, Além disso, deve-se proporcionar facilidade na busca de alimento e de água para que estes se mantenham bem alimentados e hidratados durante todo o período. Ainda, este local deve ser de fácil visualização dos trabalhadores, para monitoramento de problemas de parto, assegurando condições para que estes problemas sejam solucionados o mais breve possível.
Após o nascimento do bezerro é importante saber que o período mais crítico em sistemas de cria acontece durante seu primeiro mês de vida, como maiores riscos de incidências de doenças infectocontagiosas (como diarréia e pneumonia, por exemplo) e de mortes. Muitas vezes estes problemas tem origem em falhas de manejo, particularmente na cura de umbigo e na primeira oferta de colostro. Logo, a sobrevivência dos bezerros é dependente de vários fatores que ocorrem no período de primeiras 24 horas de vida do animal e é sobre isto que vamos abordar detalhadamente nos próximos itens.

 

Cura de umbigo
Imediatamente após o parto deve-se realizar a cura de umbigo do bezerro. O responsável deve estar com as mãos devidamente higienizadas e usar luvas.
Realize a imersão, por 10 segundos, de todo o cordão umbilical em solução de iodo a 10%, assegurando que toda a base do umbigo entre em contato com esta solução. Indica-se usar o recipiente anti-retorno (o mesmo utilizado para o pré-dipping das vacas em ordenha) e a cada nova cura de umbigo, trocar a solução de iodo.
É importante que o durante o primeiro dia de vida do bezerro, o umbigo seja curado pelo menos por três vezes. Assim, repita essa opção em intervalos de 3 horas e aproveite para monitorar o bezerro e a vaca, quanto às condições de saúde e principalmente se o bezerro não está procurando por leite, isto pode ser um sinal de que ele não se alimentou satisfatoriamente.

 

Primeira oferta de colostro
Primeiramente, é importante sabermos por que o fornecimento eficiente de colostro é imprescindível nas primeiras horas de vida do bezerro. Para isto devemos saber sobre a fisiologia do recém-nascido e o modo de transmissão de sua imunidade, denominada imunidade passiva.
A placenta dos bovinos protege o bezerro de várias ações bacterianas ou virais, mas impede a passagem de proteínas séricas (células encontradas no plasma sanguíneo), dentre elas as imunoglobulinas que por sua vez confere a imunidade ao animal. Devido a esta característica da placenta de bovinos, todas as imunoglobulinas são transferidas aos bezerros não pela mãe durante o período de gestação, mas sim pela ingestão do colostro produzido pela vaca recém-parida, por este motivo a imunidade do bezerro neonato é chamada de passiva.
A eficiência na transferência de imunidade passiva para aos bezerros é dependente de vários fatores, dentre eles os ligados as vacas (número de crias, conformidade do úbere, habilidade materna e qualidade de colostro), aos bezerros (peso ao nascimento, capacidade de realizar as primeiras mamadas com sucesso) e aos tratadores (monitorar a eficiência da primeira mamada).
Quanto aos fatores ligados à vaca, tenha em conta que as vacas inexperientes (primíparas) necessitam de mais atenção quanto ao sucesso da primeira mamada do bezerro. A habilidade materna juntamente com a conformação e sensibilidade do úbere podem provocar maior resistência por partes desses animais, dificultando a aproximação de sua cria até o aparelho mamário. Logo, essas situações requerem mais atenção e cuidados do tratador, pois certamente são bezerros que necessitarão de ajuda nas primeiras horas de vida.
No entanto, somente verificar se o bezerro mamou ou não na vaca não nos ajuda a solucionar todos os problemas, pois primeiramente devemos saber a viabilidade do colostro quanto a sua ação imunológica no bezerro.
Sendo assim, como podemos garantir uma boa oferta de colostro aos bezerros?
A primeira ação a ser realizada é verificar a qualidade do colostro produzido pela vaca após o parto. A qualidade do colostro pode ser avaliada de várias formas, no entanto uma medida de campo e de fácil utilização é obtida a partir do uso do colostrometro (Figura 1). Este consiste em um aparelho graduado que a partir da densidade do colostro nos evidencia sua qualidade por meio de três faixas sinalizadoras: verde (colostro de boa qualidade), amarelo (colostro de qualidade intermediária) e vermelho (colostro de baixa qualidade). Deste modo, para fazendas produtoras que almejam melhorar seus sistemas de cria, essa prática deve ser adotada como manejo de rotina da fazenda (Figura 2).

 

Figura 1. Colostro classificado de boa qualidade (faixa verde), avaliado pela ferramenta colostrometro.

 

Figura 2. Tratador avaliando a qualidade de colostro, manejo de rotina da Fazenda Santa Luzia (Passos, Minas Gerais, Brasil)

 

 

É importante esclarecer que após a avaliação do colostro, aqueles que apresentaram qualidade intermediária ou baixa não deverão ser utilizados para a primeira mamada do bezerro já que o nosso objetivo é assegurar boa imunidade aos animais. Porém, pode ser redirecionado para bezerros a partir de dois dias de idade, uma vez que este é um alimento de grande valor nutricional e energético.
Depois de conferida a qualidade do colostro é o momento deste ser fornecido ao bezerro. Esta oferta deve ocorrer o mais rápido possível após o seu nascimento, pois, a absorção das imunoglobulinas pelo intestino do bezerro é estritamente dependente do tempo em que este demora em realizar a primeira ingestão de colostro. Vários trabalhos reportam a importância de realizar a primeira mamada de colostro em até 12 horas após o nascimento. Recentemente se verificou que os bezerros que tiveram a primeira mamada de colostro garantida em até 3 horas após o parto, apresentaram maior vigor, melhores condições de saúde e maiores chances de sobrevivência quando comparados àqueles que tiveram a primeira ingestão de colostro em até 6 horas após o parto (Schmidek et al., 2008).
Assim, a opção de ajudar os bezerros a mamarem se torna interessante, principalmente quando falamos de controle da qualidade e quantidade de colostro a ser oferecido, e também para assegurar o horário de tomada de colostro do bezerro, que deve ocorrer em até 3 horas após o parto. Então, siga estes passos para garantir uma boa oferta de colostro ao seu bezerro:
  1) Forneça 2 litros de colostro ao bezerro, em mamadeiras artificiais como garantia da quantidade de colostro a ser ingerida. Caso perceba que a quantidade fornecida não foi satisfatória, representado pelos sinais de procura por leite por parte do bezerro pode se fornecer mais colostro, conforme a capacidade de ingestão do mesmo.
  2) Após a primeira oferta, é aconselhável permitir que o bezerro fique com a mãe, pelo menos, durante todo o primeiro dia de vida, para que se realizem os cuidados corporais vaca-bezerro (liberação da placenta e limpeza corporal dos bezerros realizada pela vaca) e também para que esta o estimule a mamar.
  3) Como garantia, recomenda-se que bezerros leiteiros ingiram no mínimo 4 litros de colostro durante as primeiras 24 horas de vida. De tal modo, durante o dia monitore o bezerro, e como medida de segurança, forneça mais 2 litros de colostro ao bezerro, em mamadeiras, de 4 a 5 horas após a primeira oferta.

 

Presença de interação positiva durante as primeiras 24 horas de vida

É muito importante que o tratador saiba manejar bem os animais imediatamente após o parto, tendo conhecimento sobre o comportamento deles, respeitando tanto o bezerro quanto a vaca, para que estímulos externos aversivos não venham a prejudicar o desenvolvimento do bezerro e a apresentação dos cuidados maternos pela vaca. Falhas de manejo neste momento podem levar as vacas a abandonarem seus bezerros ou resultar em associações negativas das vacas com humanos, resultando em dificuldades no manejo futuro destes animais na fazenda.
Neste sentido, aproveite as oportunidades do manejo diário para interagir positivamente com os animais. No caso do bezerro, a cada aproximação tente tocá-lo gentilmente, faça uma massagem com as mãos durante todo o corpo do bezerro, por um ou dois minutos. É importante que esta estimulação ocorra pelo menos uma vez durante o primeiro dia de vida do bezerro. Por facilidade, pode-se aproveitar o momento da mamada para realizar esta ação. Caso a vaca também permita esta aproximação, realize este contato positivo com ela, para que associe a aproximação humana com algo positivo e não a uma ameaça (Figura 3).

 

Figura 3. Exemplo de interação humano-animal positiva com a vaca e o bezerro

Estudos mostram que esta estimulação tátil durante a infância pode programar uma regulação a resposta ao estresse em idades posteriores (Liu et al., 1997; Francis et al., 1999) e ainda reforçar positivamente os laços com humanos, fazendo com ele associe o trabalhador sempre como um estímulo positivo, facilitando o manejo futuro e contribuindo com seu desenvolvimento, uma vez que estímulos táteis frequente melhoram a saúde, o comportamento e o desempenho de bezerros leiteiros.

 

Referencias bibliográficas
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Data de publicação: 24/06/2014 19:54